segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Cultura digital em alta

Nelson Pretto, Salvador-BA

Dezembro se iniciou com o Rio recebendo todas as tribos da cultura digital. Esse movimento começou como Fórum da Cultura Digital, realizados na Cinemateca brasileira, em São Paulo, em 2009 e 2010. Agora em 2011, o Fórum virou Festival e a animação tomou conta dos espaços do Museu de Arte Moderna (MAM) e do cinema Odeon no centro do Rio. Foi aberta uma chamada pública para apresentação de propostas de atividades e 358 chegaram, oriundas dos cinco continentes. A articulação em torno da chamada cultura digital começou na gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, quando o "termo cultura digital nem existia na wikipedia" como diz um texto no livrinho-programa do Festival 2011. Hoje o termo já verbete e a turma que aqui está solta o verbo, com todas as letras, em todos os espaços. Foram inúmeras as experiências apresentadas nos três dias do evento, numa intensa articulação entre cultura, educação, ciência, tecnologia, inovação e criação.

Gil - que já já faz 70 anos com muita fé e festa! - foi denominado embaixador do Festival e se fez presente ao vivo e no texto do programa relembrando os primeiros passos: "queria fazer do Ministério o espaço da experimentação de rumos novos, o território da criatividade popular e das linguagens inovadoras, o palco de disponibilidade para a aventura e a ousadia". E isso está acontecendo, por conta de uma forte articulação da sociedade civil organizada em torno destes coletivos da cultura digital. É um movimento importante que articula todos os grupos que estão "Fora do Eixo" - aqui numa referencia ao importante movimento de artistas que atuam em paralelo à indústria fonográfica www.foradoeixo.org.br -, o Festival reuniu mais de 90 atividades com 21 países representados. Também presente a turma do Projeto Puraquê - www.puraque.org.br - que não satisfeita em promover a cultura digital no coração da Amazônia, a partir de Sanatrém/Pará, criou um banco e uma moeda própria: o Muiraquitã. Com isso, financiam e promovem o desenvolvimento da região através de formação de jovens CodeirXs (coderios e codeiras) para o desenvovimento de software livres a partir da região.

São por conta de experiências como essas, e aqui só temos duas, que tenho insistido na importância de pensarmos a cultura digital como elemento aglutinador de ações em todas as áreas. Nos debates da Arena instalada no MAM, esse foi um tema bastante presente. Pensar em cultura digital é pensar em reforma da lei do direito autoral, em ampliação da adoção do software livre no pais, na construção de um Marco Civil para a Internet e de um Plano Nacional de Banda Larga que possibilite o acesso pleno ao universo de comunicação e o fortalecimento da produção cultural distribuída pelo país, tudo isso viabilizado potencialmente pela existência de uma infraestrutura tecnológica.

Mas não basta ter a tecnologia. Isso demanda muita reflexão e atuação política já que não são poucos os desafios que temos pela frente. As ações em andamento nos diversos coletivos, nas redes sociais, nos projetos de Pontos de Cultura, nas RedeLabs, nas cooperativas de economia solidária e em tantos outros espaços e coletivos necessitam de constante apoio do poder público, ao mesmo tempo que demandam forte articulação social.

As ações do governo, neste campo, não podem estar restritas ao Ministério da Cultura. Elas demandam uma articulação intensa envolvendo diversos ministérios e tenho insistido na importância de trazer o Ministério da Educação para mais perto de tudo isso. Não basta ao MEC aceitar ou incluir meia duzia de atividades da cultura digital na programação do Mais Educação, programa que oferece atividades optativas para ampliar a oferta de educação para os jovens. Isso é importante, mas apenas um pequeno passo. A cultura digital não pode continuar a ser vista como acessória dos processos educacionais. Ela precisa estar presente nos currículos de forma efetiva, envolvendo e amalgamando os conteúdos e atividades cotidianas nas escolas.

Nas atividades que acompanhei no Festival era muito comum ouvir duras criticas às escolas e às universidades. Por que estas atividades ricas e criativas não cabem dentro dos necessários espaços formais da educação? Aqui me parece que, mais uma vez, precisamos pensar em articulações envolvendo campos e esferas de governos. O ministro Mercadante no Fórum Internacional do Software Livre em Porto Alegre, em junho passado, comprometeu-se em montar um grupo de trabalho para viabilizar a implantação de uma sistemática de apoio ao que poderíamos chamar de Garagens Digitais. Apoiar pessoas e grupos - pequenos grupos, não necessariamente formalmente constituídos - para que essa turma posso criar, criar de fato, produzir ciência, produzir tecnologia. Produzir cultura. Isso precisa ser cobrado do Ministro e do MCT. Esse processo, quem sabe, pode ser uma janela para intensificar o diálogo destes grupos com as universidade, especialmente as públicas, criando-se redes de formação e de criação científica e cultural. Cultura digital em alta Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia articuladas podem fazer a diferença no mundo contemporâneo onde, mais do que nunca, as soluções simplistas e repetitivas não fazem o menor sentido.

Precisamos, como bem disso Gil, de um "curto-circuito antropológico" para dar conta dos desafios e esse curto-circuito faiscará por todos os lados e demandará um olhar muito atento de todos nós e dos governantes. Caso contrário, o circo pode pegar fogo, como aliás, já vem acontecendo em diversos outros países, a partir da organização da juventude com um intensivo uso das redes sociais. A palha já está posta. Toda cuidado é pouco!


Nelson Pretto é professor e já foi diretor (2000-2004 e 2004-2008) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia. Membro titular do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. Físico, mestre em Educação e Doutor em Comunicação.

Terra Magazine

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